Porque “Santo de casa não faz milagre!”

Porque “Santo de casa não faz milagre!”

Comportamento corporativo

É mais uma idiossincrasia das empresas, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Damos sempre mais valor ao conselho que vem de fora que às soluções desenvolvidas em casa.

Claro que há situações em que as empresas precisam de um choque de novidades e nesse caso vale a pena trazer alguém de fora, mas muitas vezes os consultores externos são contratados apenas para fazer um compilado de sugestões dos próprios funcionários, apresentando no final o que todos já sabiam. Quando é preciso conhecer técnicas ou ter experiências específicas vale a pena trazer um consultor. Mas será que todas as idéias dos funcionários já foram ouvidas o suficiente?

Se a grande maioria das idéias já está na mente dos funcionários, porque não valorizamos a “prata da casa” e ao invés disso, preferimos chamar um “santo de fora” para fazer o milagre?

Arquétipos

Já há vários posts venho falando sobre arquétipos, que são idealizações do ser humano ou figuras do inconsciente coletivo as quais associamos  uma série de princípios. Imagine, por exemplo, um senhor de idade com barba e cabelos brancos e terá um sábio. Imagine uma moça jovem e bonita com aparência virginal e terá uma donzela. Imagine um rapaz com trejeitos desajeitados e óculos “fundo de garrafa” e terá um nerd.  Em outras palavras, é como se criássemos rótulos e tratássemos de rotular as pessoas o mais rápido possível quando as conhecemos. Esse processo leva frações de segundos.

O problema é que os rótulos as vezes enganam. O senhor idoso pode ser um canalha, a moça pode ser uma ladra, o rapaz desajeitado pode ser milionário. Não temos como saber! Pior ainda é quando pessoas que conhecem o funcionamento de nossas mentes conseguem construir arquétipos para nos “manipular”, no bom ou no mal sentido.

Quando isso acontece temos os chamados “charlatões”, que se vestem, falam e agem como se fossem uma coisa que na verdade não são.

Efeito Halo

Outro fator importante é o efeito Halo criado por Thorndike em 1920. Ele nos ensina que temos a tendência de generalizar as avaliações que fazemos das pessoas, tomando como base apenas um item de observação. Por exemplo, pensamos que um bom pedreiro será um ótimo mestre de obras ou que um bom gerente será um ótimo diretor.

Também no lado pessoal, imaginamos que pessoas extrovertidas serão boas comunicadoras ou que pessoas sérias serão mais responsáveis. Esses julgamentos são geralmente equivocados, pois conforme prega a escola Gestalt da psicologia, a percepção de partes não completa o todo.

Deste modo, um bom pedreiro pode ser um péssimo mestre de obras, porque prefere trabalhar sozinho em seu ofício ao invés de coordenar os outros. Uma pessoa extrovertida pode preferir ater-se a temas do dia-a-dia, ao invés de assumir a responsabilidade formal pelas relações públicas de uma empresa.

Para fazer avaliações das pessoas devemos primeiro ter em mente que tarefas esperamos que elas executem e depois contratar psicólogos, sempre que possível, para fazer avaliações mais precisas.

Projeções no dia-a-dia

As projeções são reflexos de nós mesmos nos outros, na minha opinião, são o que mais prejudica o julgamento que fazemos de pessoas com quem convivemos. Grosso modo, projetar é transferir aos outros os defeitos que temos e não queremos ver, imagine o quanto nos irritamos se vemos nos outros o que “odiamos” em nós mesmos.

Assim se uma pessoa é indecisa irá se irritar profundamente com qualquer indício desse comportamento que perceber no outro, mesmo que o outro esteja apenas passando por um período ruim.  E seguindo o efeito Halo, reprovaremos completamente o outro para qualquer outra coisa, a partir dessa percepção.

É importante observar que as projeções nem sempre são verdadeiras, pois são apenas percepções unilaterais e que julgamos o mundo através de nossos próprios valores. Por exemplo, é isso que diferencia opiniões sobre a condição de um sem-teto: um vai achar que é preguiçoso, outro vai achar que não teve oportunidade e outro, mais empático, vai achar que ele teve uma dificuldade que lhe tirou o controle da vida.

Com isso, se pode concluir que todo tipo de projeção é perigosa, embora seja inevitável e que é por isso que preferimos ouvir pessoas de fora, nas quais ainda não projetamos nossos defeitos do que as pessoas “de casa”, sobre quem já formamos uma opinião, seja ela equivocada ou não. É como as “travas” colocadas nos olhos de cavalos, evitam que vejam o que inevitavelmente está ao seu redor, apenas para manter-lhes calmos.

Valorize a prata da casa

A grama do vizinho é sempre mais verde, pois olhamos apenas de relance e não sabemos o trabalho que dá. Se cuidássemos melhor do nosso próprio jardim, certamente seria tão verde quanto. É fácil olhar para seu cônjuge e achar defeitos, ninguém é perfeito e certamente sua visão está cheia de projeções, assim como é fácil olhar para uma pessoa na rua, com quem tivemos pouco convívio, e ver apenas coisas boas porque foram gentis conosco.

Existem muitas empresas que aproveitam a “prata da casa” através de ciclos de melhoria contínua (Ex: Kaizen), através disso logram, além de melhorias em seus processos e coleta da perspectiva do funcionário, resultados na motivação e no comprometimento da equipe. Esse tipo de prática é comum desde os anos 50 e vem funcionando em indústrias desde então, muitos funcionários foram premiados através da eleição de melhores idéias e certamente muitos milhares de dólares foram otimizados.

Valorize a prata da casa, nem sempre é preciso trazer pessoas externas para resolver seus problemas. Avalie se tem condições de fazer e busque consultoria apenas para orientação. Assim, além de obter resultados mais contextualizados irá motivar seus funcionários e melhorar o engajamento da equipe.

Espero ter ajudado!

Eli Rodrigues

Publicado por: Eli Rodrigues

Há 1 comentário para este artigo
  1. Antonio Hélio at 14:37

    Ótimo post Eli, aliás como todos aqui.
    Sempre que posta algo leio e em boa parte serve para mim e para o meu dia-a-dia.
    Obrigado !